A 19 de março o país fechou-se em casa. Nas estradas ouviam-se sirenes que apelavam “fique em casa”. Mais tarde foi tempo de recomeçar e as ruas, lentamente, encheram-se de pessoas. Agora de rosto tapado. A economia abriu novamente.
De paredes amarelas e decoração tradicional minhota, o restaurante Casa de Pasto de Pouve, em Famalicão, “é o ganha pão da família”. Depois de mais de um quarto de século de história, viram-se obrigados a fechar e não foi com confiança que reabriram.
Os sócios-gerentes, Artur Matos e Maria Matos, viram o seu negócio estagnar e a família Matos teve de se adaptar. Para os clientes, os quais se “tornam amigos”, são conhecidos como ‘A Quintinha’. Beatriz Matos, filha mais nova do casal, lembra aquilo que agora parece estar longe. “Antes da pandemia, todos os dias isto estava cheio, era casa cheia” O ano de 2019, após aparecerem numa reportagem da TSF, foi “espetacular”.
Foi com essa memória em mente que novas ideias para o negócio começaram a surgir. “Estávamos a pensar contratar mais alguém para nos ajudar, principalmente a minha mãe na cozinha”. Mas isso ficou no passado. A perda de clientes começou na semana anterior ao Governo decretar Estado de Emergência, em vigor em Portugal desde dia 19 de março, porque “as pessoas já estavam com medo”, conta Beatriz Matos.
Com as portas do negócio de família já encerradas, foi a vez de Portugal se moldar ao desconhecido. A palavra ‘confinamento’ começou a fazer parte do dia-a-dia. Nas ruas não se via ninguém e todas as portas estavam fechadas. As redes sociais pareciam inundadas de esperança, mas na Casa do Pasto de Pouve não ia “ficar tudo bem”.
Porém, as paredes do restaurante têm séculos escondidos: pertencem a um solar. Não se data a sua construção, mas Camilo Castelo Branco usa-o para dar cor ao romance ‘O Senhor do Paço de Ninães’. O edifício antigo em pedra, num cenário rural, faz parte da decoração das três salas do restaurante, uma delas construída recentemente. As duas salas principais aquecem os fregueses da casa com duas lareiras.
Beatriz não esconde o que é que o negócio da família significa para todos. “Para além do nosso trabalho, é a nossa alma”. Apesar da tentativa, o recurso ao ‘take away’ acabou por ser “uma desgraça”. Situado nos arredores da cidade, ninguém faz o desvio para encomendar comida. “Ao domingo funciona melhorzinho e mesmo assim é complicado”, admite. Por vezes não servem ninguém e no máximo “quatro ou cinco pessoas”. Isto durante dois meses.
Como esclarece Ana Paula Bernardo, secretária-geral adjunta da União Geral de Trabalhadores (UGT), "as dificuldades económicas começaram a sentir-se um pouquinho antes, sobretudo em alguns setores".
Decidiram encerrar quando os clientes começaram a diminuir e o rendimento da família passou a ser nulo. Os pais, como sócios-gerentes, não tiveram, até à data da entrevista, apoio do Estado. Como os impostos continuavam a ser exigidos, tiveram de se ajustar. Os irmãos encontraram trabalho e em maio já entrou dinheiro nas contas da família.
Apesar de tudo, mesmo quando fizeram refeições e não foram vendidas, nada foi desperdiçado. “Isto é uma quinta, temos porcos e galinhas. Os nossos restos de comida são sempre dados aos nossos animais”.
Abrir portas parecia longe. Artur e Maria são doentes de risco e o aumento das despesas - as desinfeções constantes, uso de máscara e metade dos clientes - não seria vantajoso para a família. O futuro parece catastrófico para o restaurante: “vai acontecer como aconteceu a muitos restaurantes em Portugal. Nós declaramos falência e os meus irmãos continuam a trabalhar fora. Os meus pais nós ajudamos enquanto podemos, porque neste momento vamos ter de nos aguentar”.
Em Portugal, devido ao novo coronavírus, no que toca à restauração e alojamento, segundo os dados revelados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), mais de 234 mil trabalhadores estão em 'lay-off', o que corresponde a 17% dos trabalhadores nessa situação.
Com mais de 900 km de costa, Portugal é um país sustentado pelo turismo. Segundo Luís Aguiar-Conraria, docente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, “depende da forma como se calcula, mas deve ser qualquer coisa entre 10 e 15% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional”. O professor explica que “mesmo que todos os outros setores recuperem bem, metade do turismo ainda é uma fração muito importante do PIB”. Os últimos dados apontam para uma diminuição de receitas, desde o início do ano, de 5,7 milhões de euros. O cenário é assustador, mas o turismo de habitação e rural parecem rir timidamente aos portugueses.
“Vai haver ascensão de áreas que até agora não têm sido exploradas, nomeadamente o interior, os turismos de natureza, o turismo rural, os turismos de aldeia, portanto toda esta área do interior, em especial em zonas onde a Covid-19 teve menos impacto, poderá fazer as pessoas fugir para essas áreas”, assegura António Silva Pina, técnico superior da Confederação do Turismo de Portugal (CTP).
Manuel Sousa é proprietário da Casa de Alfena, uma unidade de turismo de habitação, na Póvoa de Lanhoso. Não considera que tenha um negócio. “Temos a ideia de que é uma questão económica, mas apesar de tudo o turismo de habitação não é nenhum negócio. Ao longo destes tempos vai-se gastando o dinheiro que se ganha a melhorar”.
O volume de marcações mantém-se, quem as faz é que difere. “Quando começou a pandemia, nós tínhamos reservas muito boas, estávamos a pensar que íamos ter o melhor ano de sempre em termos de turismo e, de repente, tivemos o cancelamento constante das reservas”.
Contudo, não dá para ignorar a tipologia do turismo português. O turismo das grandes cidades é incompatível com a situação pandémica. “Não havendo viagens, não há turismo. Os aeroportos estão completamente vazios e os aviões todos no chão”, esclarece o técnico superior da CTP. O turismo rural, apesar de continuar a funcionar, apresenta um problema: é sazonal. “Há uma boa ocupação em meados de junho e meados de setembro e depois, durante o resto do ano: é na passagem de ano, é no Carnaval e é na Páscoa”, exemplifica Manuel Sousa.
Mesmo que o turismo dentro das fronteiras portuguesas aumente, Luís Aguiar-Conraria avisa que isso vai mitigar o impacto económico, visto que os turistas estrangeiros são uma “fonte de rendimento muito relevante”. O professor da UMinho sublinha que os portugueses contam com diferentes estruturas que não lhes permitem gastar a mesma quantidade de dinheiro que os visitantes exteriores. “Se ficar por Portugal, se for a uma praia tenho de arranjar apartamento ou hotel, mas se não for passar as férias a praias tenho casas de amigos, de familiares”.
Nos últimos anos “o turismo deu um salto muito grande e passou a ter crescimentos na ordem dos dois dígitos, que são coisas difíceis de manter durante tanto tempo como temos estado a manter. Portanto, foi um esforço muito grande e uma aposta muito grande”, clarifica António Silva Pina. Os últimos dados (2018) revelados pela PORDATA confirmam. Portugal é o décimo país da União Europeia com mais movimento turístico.
Quem visita a Casa da Alfena não se consegue desapegar da história que traz. A casa do século XVIII e de estilo barroco esteve sempre na família de Manuel Sousa. Hoje faz parte da rede de Solares de Portugal que, na sua totalidade, conta com 120 casas espalhadas de norte a sul do país, mas a principal preocupação do proprietário foi manter as estórias: “não ser mais uma unidade de alojamento como outro qualquer, mas com uma personalidade própria”.
É em Travassos, uma aldeia da Póvoa de Lanhoso, que nasce a famosa filigrana de Viana do Castelo, a habitação não deixa de parte a sua raiz e uma antiga oficina viu-se “transformada no Museu do Ouro”. A casa principal é agora um conjunto de alojamento “muito amplo”. Para além dos ourives, a habitação tinha um antigo sequeiro para o milho e feijões, mas que agora acomoda dois quartos e um balneário para a piscina.
A piscina é o que torna, durante o ‘novo normal’, a casa num sucesso. Apesar do desconfinamento, as idas à praia vão ser limitadas e os ajuntamentos evitados com a definição de distâncias rigorosas. “As casas que este ano vão ter sucesso são aquelas com espaços verdes e com piscinas, até porque os miúdos em geral querem piscina, porque senão não são férias”, esclarece Manuel.
O turismo de habitação e rural trazem vantagens: o distanciamento social é facilitado e as pessoas sentem-se seguras. Para António Silva Pina, esta pandemia acarreta uma necessidade para Portugal: redescobrir o interior. “Eu apostava muito nessa situação, numa grande diversidade de oferta”.
Contudo, essa oferta pode não ser suficiente. Em território nacional, no ano de 2018, apenas 21% do alojamento turístico corresponde a estabelecimentos de turismo de habitação e de turismo de espaço rural, deixando mais de cinco mil alojamentos com baixa ocupação no verão que se aproxima. António Silva Pina acredita, por isso, ser necessária “uma reestruturação do ponto de vista qualitativo e quantitativo e repensar as coisas muito seriamente e aproveitar esta situação”.
Os mais recentes dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) demonstram recordes históricos. Os hotéis, de norte a sul de Portugal, passaram a ser locais vazios, resultando numa quebra de receitas superior a cinco milhões de euros, que corresponde a uma diminuição de 98,3%.
No verão de 2020, o turismo massificado não tem futuro. “Não é sustentável continuarmos com a mesma situação em termos de grandes fluxos turísticos”, afirma o técnico superior. No entanto, é sobretudo nos grandes centros urbanos que nasce o maior rendimento do setor. “Deixando de vir os turistas vai ter impacto, e os turistas estrangeiros aí contam mais”, aponta Luís Aguiar-Conraria.
Alguns atentaram o mundo lá fora, outros olharam para o confinamento obrigatório como uma oportunidade. É o caso de João Ribeiro e Iva Gama, um casal que tentou, apesar das dificuldades, tirar proveito dos tempos atípicos. João é dono da Uselabel Publicidade e Iva é agente Bimby.
A empresa de João Ribeiro já conta com 21 anos de história e a preocupação centra-se nas pessoas que emprega, “essas é que têm de levar um alimento para casa”. É um empresário com “uma visão um bocadinho diferente do senso comum”. Apesar de ser o seu sustento, vive sob o lema ‘faz o que gostas e não terás de trabalhar um dia na tua vida’.
Quando começou queria “fechar ciclos” e é com essa atitude que enfrenta a adversidade. João apercebeu-se, ainda antes do SARS-CoV-2 chegar a Portugal, que lá fora a situação não era a mais favorável. “Os preços de matéria prima começaram logo a aumentar, falava com alguns fornecedores e eles diziam-me que era o próprio fabricante que estava a impor essas regras”.
Antes de muitas empresas começarem a produzir máscaras e viseiras, o negócio de João alterou-se. Começou a criar uma viseira com “um preço bastante baixo, não como se anda a ver por aí”. Ao ver que existia procura do novo produto da Uselabel Publicidade, o empresário pediu a patente da viseira que criou “com o intuito de não a copiarem, para não andarem a abusar em questões de preços. Se for para baixo, tudo bem. Para cima, acho que não é correto”.
“O meu objetivo era vender umas cinco mil. Vou nas sete mil”. Embora tivessem ajudado as contas da empresa, os três euros e 84 cêntimos de cada viseira não apresentam uma solução para o negócio. “Estou a fazer um esforço tremendo para pagar ao meu pessoal”.
Anseia que o fim desta situação esteja próximo, mas o grande objetivo é “sair desta pandemia com as contas a zero com tudo o que é fornecedor”. No entanto, o empresário mantém-se independente e, apesar das dificuldades, não quer nem recorrer ao ‘lay-off’ nem utilizar as linhas de crédito que já tem aprovadas.
Mas nem todas as empresas conseguiram sobreviver sem as medidas do Governo. Estas medidas fizeram com que, no espaço de três meses, a Segurança Social despendesse 778 milhões de euros. No mês de abril, cerca de três mil trabalhadores recorreram ao ‘lay-off’, mais do dobro em comparação ao mesmo mês do ano anterior.
João, não tendo necessidade, considera que o mais importante é as empresas terem consciência de “quem precisa é que deve recorrer” a esses apoios do Governo. O gerente da Uselabel Publicidade acredita que, se todos forem por esse caminho, “vai correr mal”.
O empresário admirou-se com a quantidade de empresas que, pouco tempo depois do confinamento, “já estavam a dizer que não tinham dinheiro” e por isso aderiram ao ‘lay-off’ e às linhas de crédito. “Ou estão todos a mentir ou realmente as empresas não dão lucro em Portugal ou são muito mal geridas”.
Para Sílvia Sousa, docente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, as medidas implementadas pelo Estado são “inquestionavelmente importantes”. No entanto, a investigadora de Economia no Trabalho avisa que elas acabam por ter um “efeito menos bom de gerar um desincentivo a uma criatividade por parte dos empresários e por parte das empresas para se renovarem e reinventarem”.
A especialista considera que o facto da Covid-19 “afetar transversalmente a maior parte dos países” fez com que existisse uma “dose de otimismo relativamente à vontade de que haja também soluções para todos”. Essa réstia de esperança perante tanta incerteza, para Sílvia Sousa, fez com que as empresas não tivessem “pensado um bocadinho mais nas alternativas”.
Mas na casa do João, criatividade não falta. Não consegue esconder o orgulho que tem na família: a filha, Ana Rita, ainda estuda, mas a esposa, Iva Gama, é uma agente Bimby. “É a pessoa que mais Bimbys vende em Portugal há sete anos consecutivos”. Segundo João, um agente vende cerca de cinco robots de cozinha por mês, mas Iva negoceia entre 15 a 18.
Passar a trabalhar de casa podia ter sido fatal num emprego que é preciso bater à porta de pessoas e contactar com o cliente, mas a criatividade superou este contratempo. A agente Bimby reinventou-se. Em vez de ir de porta em porta, passou a ter os diretos nas redes sociais como maior aliado.
Se na saúde se trabalha para achatar a curva, na casa de Iva o sucesso não para de crescer. De estar o dia todo fora de casa para fazer três demonstrações, passou a não sair do espaço e a ter o dobro do trabalho. As distâncias e as viagens diminuíram - agora, a reunião com os clientes é feita através das redes sociais.
As mudanças são necessárias, ainda para mais em tempos de crise. Manuel Cunha Júnior, presidente da Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC), aponta que “o pequeno comércio, os prestadores de serviços, as empresas de serviço, têm que efetivamente migrar alguma coisa do seu negócio para o digital”.
Na visão do empresário, a aposta no online é importante para dinamizar os negócios e exemplifica isso através do sucesso de um projeto-piloto da AEVC: o Viana Market, uma plataforma de marketplace, que conta com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo. Manuel Cunha Júnior refere que tem recebido “um feedback muito interessante” e que, mesmo que as empresas já tenham uma loja online, diferentes ferramentas e abordagens ao digital “melhoram e expandem o negócio”.
Iva Gama confirma. Apesar de o telemóvel estar sempre a tocar, a proximidade que a internet permite acaba por compensar. “É um trabalho que compensa sempre, os clientes felizes referenciam muito mais”. A agente acredita que “as redes sociais ajudam imenso as empresas” e tenciona continuar a utilizá-las quando a pandemia abrandar.
O mundo viu diferentes tentativas, cheias de incerteza, de encontrar a melhor solução para lidar com um vírus. A única certeza é que a tarefa do combate económico à Covid-19 não é fácil.
Nos últimos meses, o mundo todo lutou em território desconhecido. A saúde pública veio, em alguns países, em primeiro lugar. Portugal deu uma resposta breve ao surto de Covid-19, tendo sido um dos países a atingir valores superiores a 80, numa escala de zero a 100, num estudo realizado pela Oxford University. O estudo avalia o nível de rigidez das restrições impostas pelo Governo de cada país.
Viu-se, ao longo do tempo, a curva a achatar - e nunca uma sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde (SNS) - mas tudo isto pode ter tido custos fatais para a economia. A 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o novo coronavírus como pandemia e, oito dias depois, Portugal declarava Estado de Emergência.
Vivenciaram-se momentos únicos e atípicos. As universidades, os cafés, as discotecas, os cabeleireiros e outros negócios fecharam-se. Passamos a viver com o essencial e imaginaram-se cenários apocalípticos. E períodos assim podem ter consequências devastadoras numa economia.
“Tudo o que sejam lojas que estejam encerradas, tudo o que sejam atividades de lazer fora de casa, como cinemas, teatros. E também grande parte das exportações. Porque isto é uma crise mundial. Portanto a quebra de rendimento noutros países também faz com que eles comprem menos coisas nossas”, realça Luís Aguiar-Conraria. Contudo, nem todos os negócios saem prejudicados. “Há setores que são beneficiados. Os supermercados estão a ser beneficiados. Tudo o que seja produtores de bens essenciais.
Tendo em conta o encerramento de negócios em vários setores, o Governo implementou diferentes medidas extraordinárias de auxílio à tesouraria das empresas, como moratórias bancárias, linhas de crédito e o adiamento do pagamento das contribuições para a Segurança Social, IVA, IRS e IRC. Entre essas medidas encontra-se o ‘lay-off’ simplificado, uma solução modificada para a manutenção do emprego dos trabalhadores que ficaram impossibilitados de exercer as suas funções.
Fonte: Diário da República
Luís Aguiar-Conraria acredita que o ‘lay-off’ “foi a medida mais bem conseguida”, por ter permitido que as empresas reduzissem “a sua fatura salarial, mantendo os empregos”, devido ao facto de 70% dos valores dos salários serem assegurados pela Segurança Social e 30% pelos empregadores. O docente sublinha, ainda, que “houve a noção de que se estavam a fazer as coisas à pressa” e que o Governo não teve medo de emendar os erros que foram sendo cometidos nas legislações. “É preciso a humildade para corrigir, e acho que corrigiram”.
Gil Carvalho tem uma visão diferente, considera que as medidas “ficaram aquém do necessário”. O diretor de Dinamização Económica e Atração de Investimento da InvestBraga refere que as empresas necessitam de “financiamentos a fundo perdido”, não dos empréstimos das linhas de crédito. “O facto de não ter chegado ainda qualquer dinheiro às empresas é insustentável”.
“As medidas são sempre muito bem-vindas numa guerra invisível como esta. Porém, as medidas são insuficientes”, menciona Manuel Cunha Júnior. O presidente da AEVC não considera as medidas disponibilizadas pelo Governo como verdadeiros apoios, mas sim como “um facilitismo e alguma desburocratização na questão do financiamento”.
O representante da InvestBraga destaca que a passagem do Estado de Emergência para o Estado de Calamidade “é só mudar o nome, porque as dificuldades das empresas não se vão alterar”. Embora as empresas possam regressar à atividade após o desconfinamento, “algumas delas só conseguirão calcular o impacto da Covid-19 quando conseguirem atingir os níveis normais. O que em muitos casos vai demorar vários meses”.
O diretor de Dinamização Económica e Atração de Investimento da agência bracarense refere que as empresas são “criadas para gerar lucro”. Gil Carvalho avisa, por isso, que vai ser complicado para as empresas “acumular estes créditos com a diminuição das receitas face à atividade que vão ter”.
Manuel Cunha Júnior sublinha que é preciso ter muito cuidado na altura da retoma efetiva, porque “as empresas vão ter um agravamento das suas despesas fixas”. No entanto, o representante da AEVC lembra que toda esta situação não tem precedentes e apanhou “todo o mundo desprevenido” e que, por isso, não “existe uma receita” ou “um manual de usuário” para resolver a situação das empresas.
A última estimativa, avançada pelo Banco de Portugal, prevê uma descida no Produto Interno Bruto (PIB) de 9,5% para o presente ano. Esta pode ser a maior queda do PIB português desde 1928 — altura da Grande Depressão e da ditadura militar portuguesa.
Para já, a nível europeu, foi aprovado pela União Europeia, a 19 de maio, o plano Support to mitigate Unemployment Risks in an Emergency (SURE), um regime temporário de apoios ao emprego para os Estados-membros, num total de 100 mil milhões de euros em empréstimos. Para além disso, a Comissão Europeia já propôs, dentro da revisão da proposta do Quadro Financeiro Plurianual de 2021-2027, um fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros, sendo 500 mil milhões distribuídos a fundo perdido e os restantes 250 mil milhões através de empréstimos.
Em termos nacionais, o ministro das Finanças anunciou o Orçamento Suplementar para 2020, que foi aprovado na Assembleia da República no dia 17 de junho. Neste Orçamento, segundo João Leão, “não há qualquer aumento de impostos, mas sim medidas de alívio".
Por outro lado, o Governo lançou o Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) que atua em quatro dimensões: social, de apoio ao emprego, às empresas e o institucional. Até ao final do ano, o plano pretende assegurar a confiança e a estabilidade económica e social do país.
Fonte: República Portuguesa
Antes da Covid-19, Portugal recuperava de uma profunda crise económica, sentia-se, pela primeira vez, “um otimismo relativamente à economia portuguesa”. A economista Sílvia Sousa julga que se estavam “a começar a sentir os efeitos positivos de todo o esforço que se tinha desenvolvido enquanto sociedade e enquanto país no rescaldo e no pós-rescaldo da crise económica que começou em 2008 e depois acentuou-se em 2010”.
Mas o cenário agora é outro: de incertezas é que se está certo. A economia é muito complexa e, como explica Luís Aguiar-Conraria, Portugal agiu de forma semelhante a outros países. “O ideal é fazer como os ursos quando hibernam no inverno” e esperar o dia em que o vírus se vai embora.
Ainda assim, o país tentou adaptar-se. Contudo, nem todas as empresas têm a mesma dimensão e Gil Carvalho acredita que devem ser tidas em conta as suas tipologias quando se tomam medidas. “Nas recomendações às empresas, não é fácil, cada caso é um caso e difere de umas para as outras”.
A crise que se avizinha, quando comparada com há de uma década, “vai ser pior, mas de mais curta duração”, refere Luís Aguiar-Conraria. Deste modo, a retoma pode ser mais rápida. “Em 2022, se calhar, já temos o PIB que deveríamos ter este ano, o que significa que será uma recuperação mais rápida. Agora, há efeitos a longo prazo que nós não sabemos”.
Aos poucos, e com receio, os negócios, antes fechados, recomeçam. Envoltas em mudanças, Ana Rita Gonçalves e Lisete Cerdeira voltam aos seus locais de trabalho com regras rígidas, prontas a enfrentar o ‘novo normal’.
Depois de quase dois meses de portas fechadas, Lisete Cerdeira viu o espaço onde cresceu reabrir: o salão “Rosinha e Lili Cerdeira”, que herdou da mãe. Durante os “40 anos de convívio”, o negócio situado em Melgaço já passou por muito, por isso, embora a Covid-19 tenha sido uma coisa negativa, Lisete acredita que vai “tornar muita coisa positiva, como é o caso de fazer as pessoas pensar mais”.
A cabeleireira, nascida em Paris, refere que notou, após o desconfinamento, “um fluxo maior de gente” a fazer marcações: “uma loucura total”. As normas de segurança e de higiene, como o distanciamento social e o uso de máscara, agora obrigatórias, têm sido, segundo Lisete, respeitadas por todos os clientes. “É mais difícil para mim, tenho falta de ar ao estar todo o dia com a máscara”.
Embora os telefones não parem de tocar, a economia ainda tem um longo caminho pela frente. “Há coisas que dificultam uma retoma económica mais pujante. Uma óbvia é o facto de as escolas continuarem a funcionar à distância, o que obriga a que não sei quantas crianças estejam em casa e que obriga a que os pais dessas crianças estejam em casa também. Isto vai fazer com que a retoma ainda seja um bocadinho coxa”, esclarece Aguiar-Conraria.
O “Glamour Atelier de Estética & Spa”, após estar às escuras entre março e maio, também voltou a ver a luz do dia. No entanto, o negócio com pouco mais de três anos de Ana Rita Gonçalves funciona de forma diferente e está mais limitado. “Nós estamos com 80% dos serviços a funcionar, porque tudo o que é tratamentos de rosto, tudo que sejam coisas em que nós ou o cliente tem de tirar a proteção, não podemos fazer”.
A esteticista, natural de Melgaço, que já desde pequena “gostava de tudo o que era ligado à beleza, saúde e bem-estar”, nota uma grande mudança. Com os cuidados adicionais de higiene pessoal e com um tempo mais alargado para limpar todo o espaço após cada serviço, Ana Rita, habituada a ter 20 clientes por dia, “neste momento nem oito” é capaz de atender.
A medo, as ruas encheram-se de pessoas de rostos tapados com máscaras coloridas. O país, que antes parecia desabitado, começa a ganhar vida. Aos poucos, diferentes estabelecimentos retomam a sua atividade.
Após pouco mais de seis semanas, o Estado de Emergência não foi renovado e, a 3 de maio, Portugal decretou Estado de Calamidade. Com a redução de restrições em vista, o Governo desenhou um plano para adaptar o país a uma nova realidade.
Na reta final do mês de abril, o primeiro-ministro anuncia os principais pontos para a retoma da economia e da atividade, sem esquecer que se combatia no desconhecido. Por isso, a cada duas semanas analisava-se o crescimento do surto no país. António Costa assegura que esse plano poderia vir a ser modificado, caso fosse necessário, não tendo “vergonha de dar um passo atrás” nas medidas de desconfinamento, como é o caso da região de Lisboa e Vale do Tejo.
Com quatro datas em vista, o dia a dia dos portugueses começou a adaptar-se a conviver com o vírus. A implementação do Estado de Calamidade tornou o distanciamento físico, a desinfeção das mãos e a utilização de máscaras obrigatórios em transportes públicos, escolas, comércio e locais fechados com múltiplas pessoas.
A estratégia do Governo permitiu que, a 4 de maio, diferentes estabelecimentos tivessem a oportunidade de reabrir. Setores como o Comércio, a Restauração e a Cultura voltaram, timidamente, a fazer parte do quotidiano dos portugueses.
Fonte: República Portuguesa
A planificação do Governo demonstrou a ambição de um país que queria sair de casa e voltar ao local de trabalho, para dar força a uma economia enfraquecida. No entanto, nem todos os portugueses puderam retomar o emprego.
Ana Paula Bernardo refere que existem casos de trabalhadores que deixaram uma ocupação no início do ano para integrarem outra “mais aliciante”. Quando quiseram voltar a reintegrar o mercado de trabalho, as empresas com quem já tinham acordado diferentes termos comunicaram-lhes que “já não era possível manter esse compromisso”. Desse modo, a secretária-geral adjunta da UGT descreve um cenário de “imensas pessoas que agora se encontram sem subsídio de desemprego e sem apoio”.
Para além disso, Ana Paula Bernardo lembra a crise que teve início em 2008 e refere que um dos receios da UGT “é que as empresas se possam aproveitar de uma situação difícil”. A secretária-geral adjunta alerta para a possibilidade de pressão sobre os colaboradores a aderir a “determinadas soluções de desregulamentação”. Os funcionários, “às vezes por receio relativamente à estabilidade da sua situação laboral, acabam por ser um pouco mais permissivos”.
Andrea Araújo explica que muitos trabalhadores foram dispensados a meados de março e não estão a receber salários ou apoios “para fazer face à sua vida”. A representante da Comissão Executiva do Conselho Nacional da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP) sublinha que “os funcionários não têm de viver da caridade. Quem trabalha tem direito a viver com dignidade”.
A precariedade dos contratos em Portugal, para Andrea Araújo, “é o melhor amigo de situações como esta, de catástrofe”, por permitir que as entidades patronais se desprendam facilmente dos trabalhadores, visto que “grande parte deles não tem descontos na Segurança Social nem sequer tem subsídio de desemprego”.
Ana Rita Gonçalves refere que “nenhuma empresa pode abrir e esperar que o dinheiro só chegue para o mês”, porque para além da Covid-19 “outras coisas podem acontecer”. Embora perceba que seja “difícil e revoltante” ter de suportar custos sem ter tanto rendimento, “as coisas vão-se suportando” se as empresas estiverem preparadas para isso.
No entanto, a esteticista percebe que, mesmo “formando um bolsinho de lado”, essas poupanças são efémeras. “Se isto continuar como está agora possivelmente terei de dispensar a minha funcionária e vou tentar aguentar eu sozinha durante um tempo”.
E não é a única, outros gerentes de negócios viram-se na situação da proprietária do “Glamour Atelier de Estética & Spa”. Para eles, as medidas de apoio do Governo foram insuficientes e o número de pessoas desempregadas em Portugal aumentou desde o mês de março. Até ao dia 17 de junho já foram despedidas 146 777 pessoas, um aumento a rondar os 8% comparado com o mês anterior.
“Ainda existe muita gente que ainda não reúne as condições para ter subsídio de desemprego e estão fora da proteção social”, refere Ana Paula Bernardo. A secretária-geral adjunta da UGT aponta para um agravamento de “situações de pobreza que já sentíamos e tínhamos em algumas franjas”.
Lisete Cerdeira tem o mesmo pensamento e assinala que vai ter de “ser feita muita coisa, porque já está a existir muita fome”. A cabeleireira desabafa inquieta: “a economia nunca mais vai ser como era”.